Espaços sem culpa
No Portugal contemporâneo, 60 anos depois da eclosão da Guerra colonial, na construção ainda em curso de uma memória compartilhada sobre a experiência colonial em África, o passado ainda é um vasto campo de batalha, uma terra que continua estrangeira. O embate não é só de interpretações históricas ou de memórias privadas conflitantes. Ocorre sobretudo no plano das representações, o que confirma como o processo de construção de uma memória pública sobre o anómalo século XX português (largamente dominado por uma ditadura colonialista, a mais longeva do Ocidente) se encontra num estado de indeterminação. A ideia de um "passado sem culpa" oferece uma definição de pronto uso sobre um sentimento dorsal que se percebe com evidência, na cultura e na sociabilidade portuguesas, do que, em inglês, é chamada de "colonial nostalgia" ou "imperial melancholia". O reuso do passado numa chave nostálgica ou apotropaica perpassa numerosas representações, criando fantasmagorias (no sentido de Benjamin) do passado, um antagonismo de imagens contraditórias, com uma forte influência política sobre o debate contemporâneo. O que se propõe é uma análise crítica deste cenário a partir da desconstrução do que foi chamado de "retorno" para a metrópole, um dispositivo retórico que por sua fez tem inteferido sobre a apreensão de algumas imagens menos subjetivas do colonialismo português em África: um catálogo daquelas "partes de África" ainda por explorar que constituem ainda um "impensado" (Eduardo Lourenço) politicamente ativo no Portugal de hoje.